A lidocaina é um anestésico local, ou seja, uma medicação que causa desaparecimento da dor quando injetada no local do corte ou da incisão. Ela pode ser utilizada também por uma veia para gerar diminuição da dor após a cirurgia abdominal e assim melhorar a recuperação dos pacientes. A metanálise é um tipo especial de estudo que utiliza dados secundários, ou seja, o resultado de outros estudos combinados gerando um resultado único. Como os estudos apresentaram algumas diferenças entre si, este resultado da metanálise parece ser promissor, porém pode ser questionado não significando que não exista resultado benéfico ao paciente.
São necessários novos estudos mais parecidos ente si para que os resultados sejam mais confiáveis cabendo ao anestesista decidir qual a melhor forma de fazer a dor sumir no período após a cirurgia abdominal.
Abordagem para não leigos
Preocupado em esclarecer algumas questões referentes ao crescente uso da lidocaina por via venosa para analgesia pós-operatória criei uma estratégia simples para o PubMed na tentativa de identificar algo que pudesse aclarar minha dúvida. A estratégia foi:
(("analgesia"[MeSH Terms] OR analgesia[Text Word]) AND ("lidocaine"[MeSH Terms] OR lidocaine[Text Word]) AND ("postoperative period"[MeSH Terms] OR postoperative[Text Word])).
O resultado gerado até a presente data foi de 759 artigos. Entre eles selecionei uma revisão sistemática para melhor compreensão do tema. Veja abaixo:
Sun Y, Li T, Wang N, Yun Y, Gan TJ. Perioperative Systemic Lidocaine for Postoperative Analgesia and Recovery after Abdominal Surgery: A Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. Dis Colon Rectum. 2012 Nov;55(11):1183-94. doi: 10.1097/DCR.0b013e318259bcd8
Analisando melhor o trabalho dos autores percebe-se que há um potencial para analgesia pós-operatória com o uso da lidocaina venosa, entretanto como se pode perceber no resumo do artigo escolhido houve grande heterogeneidade (I> 30 ou I> 50, depende do autor de referência) entre os estudos. Esta heterogeneidade estatística pode se dever a uma heterogeneidade clínica ou metodológica. Acredito que se deveu a uma provável diferença nas perguntas de pesquisa entre os estudos (diferentes esquemas usados, cirurgia aberta e fechada, urgência e eletiva, etc) de forma que a combinação dos resultados pode não se repetir na prática clínica diária tal qual se apresenta neste estudo.
Outro ponto a ressaltar é que houve diminuição do uso de opióides (morfina), mas não abolição de seu uso, ou seja, a lidocaina utilizada sozinha pode não ter o mesmo efeito de quando utilizada em associação com os opióides. Não vi descrição de malefícios do uso da lidocaina e não ficou claro se isto não foi visto por não haver ou por não terem tido intenção de pesquisar.
A lidocaina possui potencial para analgesia pós-operatória, mormente quando associada a outros fármacos como o sulfato de magnésio, dexmedetomidina e morfina porém mais estudos são necessários para comprovar sua eficácia quando utilizada como agente isolado neste cenário clínico e qual o melhor esquema de dose para aumentar a segurança na prática clínica.
Resumo
JUSTIFICATIVA: Manejo da dor pós-operatória continua a ser um desafio significativo após a cirurgia abdominal. OBJETIVO: O objetivo desta meta-análise foi avaliar a eficácia da lidocaína sistêmica para o manejo da dor pós-operatória e recuperação após a cirurgia abdominal. FONTE DE DADOS: Os dados foram obtidos a partir de dados Medline (1966-2010), CINAHL, Cochrane Central Register de Ensaios Controlados, e Scopus.
Estudo de selecção: Ensaios clínicos randomizados de administração sistêmica de lidocaína para analgesia pós-operatória e recuperação após a cirurgia abdominal em adultos. INTERVENÇÕES: Os dados foram combinados e analisados com o uso de um modelo de efeito aleatório. PRINCIPAIS MEDIDAS DE RESULTADOS: Os dados sobre o consumo de opióides, a intensidade da dor pós-operatória, efeitos secundários relacionados com opióides, tempo para flatos primeiro, tempo para primeira evacuação, e tempo de internação foram extraídos. RESULTADOS: Vinte e um estudos que compararam lidocaína sistêmica com placebo ou controle em branco para analgesia pós-operatória e recuperação após a cirurgia abdominal foram incluídos nesta meta-análise. Diferença média ponderada para o consumo acumulado de analgésicos (morfina) 48 horas após a cirurgia foi de -7,04 mg (95% CI: -10,40, -3,68, I = 46,1%). A intensidade da dor pós-operatória reduziu significativamente (escala analógica visual, 0 - 100 mm) 6 horas após a cirurgia em repouso (diferença média ponderada: -8,07 mm (IC 95%: -14,69, -1,49); I = 90,6%) e durante a atividade (diferença média ponderada: -10,56 mm (IC 95% : -16,89, -4,23), I = 82%). O tempo para flatos primeiro e movimento intestinal foi significativamente reduzido com a intervenção de lidocaína por 6,92 horas (95% CI: -9,21, -4,63, I = 62,8%) e 11,74 horas (95% CI: -16,97, -6,51, I = 0 ). Além disso, lidocaína sistêmica também tempo de internação reduzido de permanência após o procedimento aberto (diferença média ponderada: -0,71 dias (IC 95%: -1,35, -0,07); I = 37,3%). LIMITAÇÕES: A heterogeneidade dos resultados do estudo é a principal limitação desta meta-análise. CONCLUSÃO: Perioperatória lidocaína sistêmica pode ser um complemento útil para o manejo da dor pós-operatória, diminuindo a intensidade da dor pós-operatória, reduzindo o consumo de opióides, facilitando a função gastrointestinal, e encurtando o tempo de internação.
Abstract
BACKGROUND: Postoperative pain management remains a significant challenge after abdominal surgery.
OBJECTIVE: The aim of this meta-analysis was to evaluate the efficacy of systemic lidocaine for postoperative pain management and recovery after abdominal surgery.
DATA SOURCE: Data were derived from Medline (1966-2010), CINAHL, The Cochrane Central Register of Controlled Trials, and Scopus.
STUDY SELECTION: Randomized controlled trials of systemic administration of lidocaine for postoperative analgesia and recovery after abdominal surgery in adults, ie, >18 years, were considered.
INTERVENTIONS: Combined data were analyzed with use of a random-effects model.
MAIN OUTCOMES MEASURES: Data on opioid consumption, postoperative pain intensity, opioid-related side effects, time to first flatus, time to first bowel movement, and length of hospital stay were extracted.
RESULTS: Twenty-one trials comparing systemic lidocaine with placebo or blank control for postoperative analgesia and recovery after abdominal surgery were included in this meta-analysis. Weighted mean difference for cumulative analgesic opioid (morphine) consumption 48 hours after surgery was -7.04 mg (95% CI: -10.40, -3.68, I = 46.1%).Systemic lidocaine also significantly reduced postoperative pain intensity(visual analog scale, 0-100 mm) 6 hours after surgery at rest (weighted mean difference: -8.07 mm (95% CI: -14.69, -1.49); I = 90.6%) and during activity (weighted mean difference: -10.56 mm (95% CI: -16.89, -4.23), I = 82%). The time to first flatus and bowel movement was significantly shortened with lidocaine intervention by 6.92 hours (95% CI: -9.21, -4.63, I = 62.8%) and 11.74 hours (95% CI:-16.97, -6.51, I = 0). Moreover, systemic lidocaine also reduced hospital length of stay following the open procedure (weighted mean difference: -0.71 days (95% CI: -1.35, -0.07); I = 37.3%).
LIMITATIONS: Heterogeneity of study results is the main limitation of this meta-analysis.
CONCLUSION: Perioperative systemic lidocaine may be a useful adjunct for postoperative pain management by decreasing postoperative pain intensity, reducing opioid consumption, facilitating GI function, and shortening length of hospital stay.
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